sábado, 28 de novembro de 2009

Revista Nova Escola apresenta Sócrates e suas bases para a Educação

Sócrates

Para o pensador grego, só voltando-se para seu interior o homem chega à sabedoria e se realiza como pessoa

Autor('Márcio Ferrari');
Foto: Araldo de Luca/Corbis



Artigo publicado na Revista Nova Escola (Edição de Outubo de 2008).

O pensamento do filósofo grego Sócrates (469-399 a.C.) marca uma reviravolta na história humana. Até então, a filosofia procurava explicar o mundo baseada na observação das forças da natureza. Com Sócrates, o ser humano voltou-se para si mesmo. Como diria mais tarde o pensador romano Cícero, coube ao grego "trazer a filosofia do céu para a terra" e concentrá-la no homem e em sua alma (em grego, a psique). A preocupação de Sócrates era levar as pessoas, por meio do autoconhecimento, à sabedoria e à prática do bem.

Nessa empreitada de colocar a filosofia a serviço da formação do ser humano, Sócrates não estava sozinho. Pensadores sofistas, os educadores profissionais da época, igualmente se voltavam para o homem, mas com um objetivo mais imediato: formar as elites dirigentes. Isso significava transmitir aos jovens não o valor e o método da investigação, mas um saber enciclopédico, além de desenvolver sua eloqüência, que era a principal habilidade esperada de um político.


Sócrates concebia o homem como um composto de dois princípios, alma (ou espírito) e corpo. De seu pensamento surgiram duas vertentes da filosofia que, em linhas gerais, podem ser consideradas como as grandes tendências do pensamento ocidental. Uma é a idealista, que partiu de Platão (427-347 a.C.), seguidor de Sócrates. Ao distinguir o mundo concreto do mundo das idéias, deu a estas status de realidade; e a outra é a realista, partindo de Aristóteles (384-322 a.C.), discípulo de Platão que submeteu as idéias, às quais se chega pelo espírito, ao mundo real.


Biografia.
Sócrates nasceu em Atenas por volta de 469 a.C. Adquiriu a cultura tradicional dos jovens atenienses, aprendendo música, ginástica e gramática. Lutou nas guerras contra Esparta (432 a.C.) e Tebas (424 a.C.). Durante o apogeu de Atenas, onde se instalou a primeira democracia da história, conviveu com intelectuais, artistas, aristocratas e políticos. Convenceu-se de sua missão de mestre por volta dos 38 anos, depois que seu amigo Querofonte, em visita ao templo de Apolo, em Delfos, ouviu do oráculo que Sócrates era "o mais sábio dos homens". Deduzindo que sua sabedoria só podia ser resultado da percepção da própria ignorância, passou a dialogar com as pessoas que se dispusessem a procurar a verdade e o bem. Em meio ao desmoronamento do império ateniense e à guerra civil interna, quando já era septuagenário, Sócrates foi acusado de desrespeitar os deuses do Estado e de corromper os jovens. Julgado e condenado à morte por envenenamento, ele se recusou a fugir ou a renegar suas convicções para salvar a vida. Ingeriu cicuta e morreu rodeado por seus amigos, em 399 a.C.
Ensino pelo diálogo

Nas palavras atribuídas a Sócrates por Platão na obra Apologia de Sócrates, o filósofo ateniense considerava sua missão "andar por aí (nas ruas, praças e ginásios, que eram as escolas atenienses de atletismo), persuadindo jovens e velhos a não se preocuparem tanto, nem em primeiro lugar, com o corpo ou com a fortuna, mas antes com a perfeição da alma". Defensor do diálogo como método de educação, Sócrates considerava muito importante o contato direto com os interlocutores – o que é uma das possíveis razões para o fato de não ter deixado nenhum texto escrito. Suas idéias foram recolhidas principalmente por Platão, que as sistematizou, e por outros filósofos que conviveram com ele. Sócrates se fazia acompanhar freqüentemente por jovens, alguns pertencentes às mais ilustres e ricas famílias de Atenas. Para Sócrates, ninguém adquire a capacidade de conduzir-se, e muito menos de conduzir os demais, se não possuir a capacidade de autodomínio. Depois dele, a noção de controle pessoal se transformou em um tema central da ética e da filosofia moral. Também se formou aí o conceito de liberdade interior: livre é o homem que não se deixa escravizar pelos próprios apetites e segue os princípios que, por intermédio da educação, afloram de seu interior.
Opondo-se ao relativismo de muitos sofistas, para os quais a verdade e a prática da virtude dependiam de circunstâncias, Sócrates valorizava acima de tudo a verdade e as virtudes – fossem elas individuais, como a coragem e a temperança, ou sociais, como a cooperação e a amizade. O pensador afirmava, no entanto, que só o conhecimento (ou seja, o saber, e não simples informações isoladas) conduz à prática da virtude em si mesma, que tem caráter uno e indivisível. Segundo Sócrates, só age erradamente quem desconhece a verdade e, por extensão, o bem. A busca do saber é o caminho para a perfeição humana, dizia, introduzindo na história do pensamento a discussão sobre a finalidade da vida.
O despertar do espírito.
O papel do educador é, então, o de ajudar o discípulo a caminhar nesse sentido, despertando sua cooperação para que ele consiga por si próprio "iluminar" sua inteligência e sua consciência. Assim, o verdadeiro mestre não é um provedor de conhecimentos, mas alguém que desperta os espíritos. Ele deve, segundo Sócrates, admitir a reciprocidade ao exercer sua função iluminadora, permitindo que os alunos contestem seus argumentos da mesma forma que contesta os argumentos dos alunos. Para o filósofo, só a troca de idéias dá liberdade ao pensamento e a sua expressão – condições imprescindíveis para o aperfeiçoamento do ser humano.
O Nascimento das idéias, segundo o filósofo.

Sócrates comparava sua função com a profissão de sua mãe, parteira – que não dá à luz a criança, apenas auxilia a parturiente. "O diálogo socrático tinha dois momentos", diz Carlos Roberto Jamil Cury, professor aposentado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. O primeiro corresponderia às "dores do parto", momento em que o filósofo, partindo da premissa de que nada sabia, levava o interlocutor a apresentar suas opiniões. Em seguida, fazia-o perceber as próprias contradições ou ignorância para que procedesse a uma depuração intelectual. Mas só a depuração não levava à verdade – chegar a ela constituía a segunda parte do processo. Aí, ocorria o "parto das idéias" (expresso pela palavra maiêutica), momento de reconstrução do conceito, em que o próprio interlocutor ia "polindo" as noções até chegar ao conceito verdadeiro por aproximações sucessivas. O processo de formar o indivíduo para ser cidadão e sábio devia começar pela educação do corpo, que permite controlar o físico. Já para a educação do espírito, Sócrates colocava em segundo plano os estudos científicos, por considerar que se baseavam em princípios mutáveis. Inspirado no aforismo "conhece-te a ti mesmo", do templo de Delfos, julgava mais importantes os princípios universais, porque seriam eles que conduziriam à investigação das coisas humanas.

A capital da democracia e do saber.

Sob o governo de Péricles (499-429 a.C.), a cidade-estado de Atenas, vitoriosa na guerra contra os persas e enriquecida pelo comércio marítimo, tornou-se o centro cultural do mundo grego, para o qual convergiam os talentos de toda parte. Fídias, o arquiteto e escultor que dirigiu as obras do Partenon, o maior templo da Acrópole, os dramaturgos Sófocles, Ésquilo, Eurípedes e Aristófanes e o orador Demóstenes são nomes dessa época. O regime democrático ateniense – restrito aos cidadãos livres, deixando de fora estrangeiros e escravos – foi fortalecido por reformas que limitaram os poderes da burguesia rica e ampliaram os da assembléia e do júri popular. A educação artística do povo foi estimulada pela exibição de obras de arte em locais públicos e pelas representações teatrais.


Para pensar

Ao eleger o diálogo como método de investigação, Sócrates foi o primeiro filósofo a se preocupar não só com a verdade mas com o modo como se pode chegar a ela. Eis por que ele é considerado por muitos o modelo clássico de professor. Quando você prepara suas aulas, costuma levar em conta a necessidade de ajudar seus alunos a desenvolver procedimentos para que possam pensar por si mesmos?

Artigo publicado na Revista Nova Escola nos mostra a aventura que é Pensar a Escola em 2500 anos.

Pensar a escola, uma aventura de 2500 anos

Tão antigo quanto a filosofia, o pensamento educacional se desdobra em várias correntes, mas suas raízes estão fincadas na Grécia antiga

(Artigo Publicado na Revista Nova Escola Edição Especial junho de 2008).

A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO
Ilustração: Milton Rodrigues Alves

Por trás do trabalho de cada professor, em qualquer sala de aula do mundo, estão séculos de reflexões sobre o ofício de educar. Mesmo os profissionais de ensino que não conhecem a obra de Aristóteles (384-322 a.C.), Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) ou Émile Durkheim (1858-1917) trabalham sob a influência desses pensadores, na forma como suas idéias foram incorporadas à prática pedagógica, à organização do sistema escolar, ao conteúdo dos livros didáticos e ao currículo docente.

Antes mesmo de existirem escolas, a educação já era assunto de pensadores. Um dos primeiros foi o grego Sócrates (469-399 a.C.), para quem os jovens deveriam ser ensinados a conhecer o mundo e a si mesmos. Para seu discípulo Platão (427-347 a.C.), o conhecimento só poderia ser alcançado num plano ideal e nem todos estariam preparados para esse esforço. Aristóteles, discípulo de Platão, inverteu as prioridades e defendeu o estudo das coisas reais como um meio de adquirir sabedoria e virtude. O sistema de ensino que ele preconizou era acessível a um número maior de pessoas.

Duas vertentes

O quadro de afiliações filosóficas que você encontra anexado à capa desta edição se baseia no princípio de que as duas tendências (a idealista, de Platão, e a realista, de Aristóteles) podem ser traçadas em toda a história da filosofia no Ocidente – esse é um critério possível, mas não absoluto. Mesmo quando dominada pelo cristianismo, durante a Idade Média, a educação experimentou as vertentes idealista e realista, uma seguida da outra, de acordo com os postulados de Santo Agostinho (354-430) e de Tomás de Aquino (1224/5-1274).

No século 14, a Europa havia se voltado de novo para o saber clássico. O feudalismo cedeu lugar a Estados nacionais, e as universidades, embora fiéis à teologia, passaram a dar atenção também ao conhecimento científico. Começava o humanismo. Filósofos como o holandês Erasmo de Roterdã (1469-1536) valorizaram a capacidade do ser humano de moldar a si mesmo por meio da leitura e da liberdade de conhecer.
Praticamente ao mesmo tempo, o fundador do protestantismo, Martinho Lutero (1483-1546), criou as bases da educação pública e universal. Em nome do direito de todos de ler e interpretar a Bíblia por si mesmos, o monge alemão deixou um legado duradouros na história do ensino. A Igreja Católica reagiu com uma ofensiva dos jesuítas, cujo ensino se baseava em rígida disciplina intelectual e física.
No século 17, enquanto o absolutismo triunfava como forma de governo numa Europa que se subdividia em Estados cada vez menores, religião e razão tentavam conviver na cultura. O grande nome racionalista no campo pedagógico foi o do tcheco Comênio (1592-1670), que previu um ensino que respeitasse a capacidade e o interesse do aluno sem severidade.

O século terminou com o despontar do liberalismo, no pensamento do inglês John Locke (1632-1704), convicto de que as idéias nascem da experiência e não são inatas no ser humano. Os 100 anos seguintes ficaram marcados pela consagração dos direitos civis – liberdade, privacidade, propriedade e igualdade. Para os pensadores da época, a sociedade moderna seria aquela em que as luzes da razão se acenderiam em cada um para usufruir desse aprendizado individual.

Tanta fé na civilização e na adaptabilidade do ser humano irritou alguns filósofos, para quem a humanidade mais perdeu do que ganhou ao se afastar da natureza. Por isso, missão urgente era preservar as crianças da "influência corruptora" da sociedade. O nome-chave dessa escola é o suíço Rousseau, que reconstruiu a figura da criança como um ser em processo. Friedrich Froebel (1782-1852), herdeiro da tendência naturalista, projetou a educação dos menores de 8 anos, procurando cuidar deles sem desrespeitar sua evolução espontânea.

Com a Revolução Francesa, em 1789, a escola tornou-se a instituição que garantiria certa homogeneidade entre os cidadãos e daí, pelo mérito, a diferenciação de cada um. A educação se expandiu por toda a França. O auge da crença nesse consenso social se encontra no pensamento do sociólogo francês Durkheim, para quem a sociedade era a materialização de uma consciência coletiva.

Aceita a idéia de que a criança na escola está num processo de desenvolvimento a ser respeitado e estimulado, a garantia para que isso aconteça foi enfatizada pelos postulados da Escola Nova, que se desenvolveu no final do século 19. Um grande representante do método tradicional foi o educador alemão Johann Friedrich Herbart (1776-1841), com sua didática baseada na direção do professor e na disciplina interna do aluno.

A Escola Nova deu impulso ao desenvolvimento de práticas didático-pedagógicas ativas. Um de seus representantes é o norte-americano John Dewey (1859-1952), que pregou a democracia dentro da escola. O movimento escolanovista representou também uma adequação educacional ao crescimento urbano e industrial. Um de seus pilares foi a identificação dos métodos pedagógicos com a ciência. Inseriram-se na crença em uma "pedagogia científica" tanto Maria Montessori (1870-1952) como o belga Ovide Decroly (1871-1932). A médica e educadora italiana buscou os princípios de uma auto-educação motivada por materiais pedagógicos.

Construtivismo

Ainda que originária de outro meio, a obra do biólogo suíço Jean Piaget (1896-1980) de certa forma deu prosseguimento às investigações da Escola Nova sobre o desenvolvimento cognitivo das crianças e dos adolescentes. Suas descobertas marcaram a pedagogia no século 20 mais do que o trabalho de qualquer outro pensador. Entre os seguidores do construtivismo, como ficou conhecida a doutrina de Piaget, está a argentina Emilia Ferreiro, muito influente no Brasil.

Paralelamente, em consonância com as idéias socialistas do alemão Karl Marx (1818-1883), vários pensadores de esquerda desenvolveram idéias especificamente pedagógicas, como o russo Anton Makarenko (1888-1939), que defendeu uma ligação maior entre produção e escola. O bielo-russo Lev Vygotsky (1896-1934) levantou a tese da gênese social do psiquismo, estruturada por meio de um sistema de signos. E o educador brasileiro Paulo Freire (1921-1997) alcançou largo reconhecimento internacional por um método centrado na necessidade de consciência social e na importância do "outro".

Em países da Europa Ocidental, o chamado Estado de bem-estar social assumiu uma função reguladora das desigualdades e assumiu mais do que nunca a missão de educar. Nesse contexto, uma importante linhagem de pensadores críticos questionou concepções arraigadas sobre o papel da escola, a organização do conhecimento e as noções de inteligência, entre outras. Fazem parte dessa geração intelectuais como os franceses Edgar Morin, Pierre Bordieu (1930-2002) e Michel Foucault (1926-1984) e o norte-americano Howard Gardner, que causou impacto no meio pedagógico no início dos anos 1980 ao defender a idéia das inteligências múltiplas.